Ana Lúcia é uma moça cheia de cores que vivia uma rotina preta e branca.
No seu trabalho não havia inovação nem paixão, apenas documentos prontos e
frios. Opção dela mesma, que cansou de trabalhar feito desesperada, mas estar
sempre na corda-bamba. O emprego atual pagava muito bem, era seguro, e ela o
conquistou com muito esforço.
Ana Lúcia se sentia presa ao trabalho. Presa e castrada. Sua
criatividade não era necessária por lá. Sentiu medo no início. Quis gritar,
jogar tudo pro alto... Mas como? Tentou se adaptar. Beirou a depressão. Depois
esqueceu. Começou a se tornar apenas mais uma engrenagem. Começou a perder as
cores. Até que ficou cinza.
Um dia Ana Lúcia adoeceu. Estava vazia. Não conseguia perceber do que
sentia falta. Afinal, todos diziam que ela tinha tudo que uma moça poderia
querer: bom emprego, boa casa, bom marido... Então o quê? Procurou psicólogo,
astrólogo, esteticista, dentista. Nenhum deles descobriu o porquê do vazio. A
mãe disse logo: - É um filho que está faltando! – Mas Ana tinha certeza que
não.
- O problema é o tempo livre. Não é muito, mas ele existe. – pensou. Ana
Lúcia resolveu se ocupar totalmente para parar de pensar besteiras. Foi fazer
natação. Tinha esquecido o quanto ela amava nadar. Deslizar na água. Ouvir seu
barulhinho relaxante. Observar, no fundo da piscina, a sua própria sombra em
movimento. O azul e o verde, então, voltaram para ela.
Ana Lúcia retomou as aulas de piano. Como pôde não se dar conta do
quanto precisava de música! As partituras, que ela via pela primeira vez, eram
um estímulo, um exercício, um delicioso desafio. Junto com o piano, o púrpura
voltou para Ana.
Só que ainda lhe faltava alguma coisa na vida. Ela sabia disso. Partiu
para pesquisa. Pesquisou na internet, nos jornais, pesquisou seu interior. O
que seria? Encontrou um curso de Literatura. - Será? Não sei... – Depois de
muito refletir, a moça decidiu se aventurar. Se era aquilo que faltava, não
sabia. A única certeza que tinha era que gostava de escrever.
O curso foi uma grande surpresa para Ana Lúcia. Mostrou a ela o quanto a
Literatura é mágica e quanto ainda precisava aprender. Apresentou-lhe novos
amigos. Mudou sua maneira de pensar. Deu-lhe novos horizontes. E asas.
Completou seu arco-íris enfim.
Hoje,
apenas uma parte da rotina de Ana Lúcia é preta e branca: seu trabalho ainda é
o mesmo. Porém a Literatura a transformou. Ela agora é um camaleão. Um camaleão
atrevido que se descola da malha em tons de cinza de Escher para respirar,
mudar de cor, inventar em três dimensões. Depois volta, feliz e satisfeito,
para fazer a sua parte na trama.
Ilustração: Répteis, litografia de M.C.Escher