sexta-feira, 24 de junho de 2022

O menino Sabino


Não me lembro de quando li "O menino no espelho" pela primeira vez. Na adolescência? Sei que minha paixão pela obra de Fernando Sabino começou depois que comecei a me aprofundar em Literatura, já adulta. Conhecer gêneros literários, autores, os clássicos... Daí me caiu nas mãos um livro de bolso "Os melhores contos de Fernando Sabino" e foi amor à primeira leitura. Desconfio que nunca ri tanto lendo, como no conto "Como nasce uma história". Amo textos assim, capazes de me mudar o humor, deixar meu riso solto.

No último feriado reli "O menino no espelho" na paz da serra e além de rir, eu me emocionei. Estava curtindo ver meu filho brincar livre e solto com outras crianças na natureza (sem videogame ou tv pra abduzi-lo)... Caiu tão redonda essa leitura! Parecia que era a primeira vez. Como pude apagar esse romance da memória? Não deve ter me marcado tanto antes... Quando tentava lembrar, confundia o Fernando (personagem principal) com o Eduardo Marciano, de "O encontro marcado". Nada grave, uma vez que os dois têm muito em comum e ambos são personagens autobiográficos. 

A história começa com um mistério, termina com seu desvendar e entre o prólogo e o epílogo, é como uma coletânea de contos que se passam com os mesmos personagens em sequência, pois todos os capítulos são independentes. Memórias do menino Fernando. Refleti tanto enquanto lia, olhando as colinas verdes à minha volta... Se Sabino fez metade das traquinagens relatadas naquelas páginas... mesmo que tenha imaginado boa parte delas e não passem de "lorotas" como o próprio autor confessa no final, ele foi, sem dúvida nenhuma, um menino feliz. 

Acredito que as leituras que fazemos não são por acaso. Elas acontecem no momento certo. As que nos afetam, claro. Então pensamos: "por que não li esse livro antes?" Porque não teria o mesmo efeito. Seria apenas mais um. Lido na hora certa, ele cumpre seu papel. Vários outros aguardam seu momento na estante. Espero ter mais surpresas tão agradáveis quanto a desse feriadão. Novamente Fernando Sabino temperou meus dias. Minha paixão cresceu, assim como a certeza de que a infância é a fase mais linda da vida.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Onde tem bruxa tem fada...



"Eles diziam onde as pessoas deveriam guardar seu dinheiro. Então o dinheiro crescia, crescia, crescia e ficava tão forte e valioso que os homens podiam comprar tudo: casa, carro, viagem, roupa, voto, poder, glória 'sem entrada e sem mais nada'.
A fada do céu sentiu que não tinha tamanhos poderes. Seus encantamentos só eram coisas de alegrar coração...
(...)
Os mágicos - prometendo o céu na Terra - davam tantas tarefas aos homens que eles não tinham tempo para saber que faltava tempo para a alegria nascer."

"Onde tem bruxa tem fada..." (Moderna), com ilustrações da Suppa, foi meu primeiro livro do Bartolomeu Campos Queirós. Não por acaso.

Os textos desse autor, cuja fala era hipnotizante (tive o prazer de ir a uma palestra dele num dos salões da FNLIJ), são todos repletos de poesia e brincadeiras com as palavras. Confesso que ele não é dos meus preferidos, mas reconheço sua grande importância na LIJ brasileira.

No entanto, esse livro em especial me afeta bastante por conta do tema. E, pelo visto, Gui também curte. Ontem pediu para ser o livro da nossa hora da leitura pela terceira vez em uma semana.

A história traz um retrato bem triste da nossa sociedade consumista. Fala dos "mágicos" que nos prometem mundos e fundos e da esperança venenosa e viciante cultivada por eles. Quem só espera nunca alcança e esquece de sonhar, imaginar... A ponto de não saber o que pedir quando uma fada aparece.

"- Peçam viagens ao centro das sementes para ver a árvore antes de nascer. Peçam ruas cobertas de música para o caminho ser canção. Ou, quem sabe, livros com folhas brancas para os olhos inventarem as histórias!"- sugeria a fada. Mesmo assim, as crianças desconfiam. "- Quanto custa, quanto?"

De amargar... porque é real. Talvez o Gui ainda não alcance a mensagem desse livro. Talvez ainda acredite em fadas e se deixe encantar se algum dia uma aparecer na sua frente. É o que eu desejo.

domingo, 5 de junho de 2022

O gato e o diabo


"O Diabo contou para o Senhor Prefeito o que tinha lido nos jornais e disse que estava disposto a construir uma ponte em Beaugency para que o povo todo pudesse atravessar o rio quantas vezes quisesse.
Disse que podia construir uma ponte tão boa quanto a melhor que existia no mundo, e mais: podia construí-la numa só noite! O Prefeito perguntou ao Diabo quanto é que custaria aquela maravilha.
- Dinheiro nenhum - respondeu o Diabo. - Faço tudo de graça. Só quero uma coisa: o primeiro que atravessar a ponte vai me pertencer.
- Combinado - disse o Prefeito."

Ontem na hora da leitura teve "performance" do Gui. Quando me mostrou o livro que tinha escolhido, tive um ataque de riso! Esse é um dos nossos clássicos mais queridos: "O gato e o diabo" (saudosa Cosac Naify), do James Joyce, traduzido pela Lygia Bojunga, com as fantásticas aquarelas do Lelis.

A malícia de um chefe do Executivo pode surpreender até mesmo o cão-tinhoso em pessoa! Um lindo livro de capa dura, bizarro, divertido e... instrutivo! 

Infelizmente a Cosac Naify não existe mais, mas na Estante Virtual você certamente acha alguns exemplares desta belíssima edição.