domingo, 16 de agosto de 2020

Calma, Vítor Hugo!


"O que será a pior coisa numa sala de espera? A própria espera ou o que vem depois? Enquanto o tempo passa, passa também tanta coisa pela nossa cabeça... Ih, rapaz, o cara lá no consultório parece que desmaiou, nem se mexe mais: sou muito novo pra ver cenas chocantes! Vai ver o doutor Pereira tá tirando todos os dentes da pobre criatura. Ai, meu Deus, será que em vez dos dentes ele tirou o cérebro do cara? Será que Pereira é o codinome de um doutor sinistro, tipo doutor Frankenstein? Será que esse consultório de dentista não passa de uma fachada pras experiências monstruosas de um cientista louco? Será que eu não devia dar no pé agora mesmo?!?"

Ontem Guigui disse tchau pra mais um dente de leite e aumentou a janelinha. Então, para a hora da leitura, "Calma, Vítor Hugo!" (Ed. Mundo Mirim), da Flavia Savary, ilustrado pelo Rubens Filho, caiu como uma luva. 

O texto mistura as fantasias do menino, que se amarra em filmes de terror, com seus medos, sobretudo o de dentista. De quebra, ainda mostra que pode ser bem bacana brincar com as palavras através de um jogo que a princípio parece antiquado para o protagonista: palavras cruzadas.

As ilustrações escuras e macabras trazem o terror para a história do garoto, que está na sala de espera, deixando de bom grado todos os demais pacientes tomarem sua vez. "(...) pode passar o mundo inteiro na minha frente. Sem problema!"

Meu pequeno, que também curte um terror, mas nunca teve medo de dentista e tem sido extremamente corajoso para arrancar os dentes moles, achou graça nas viagens do Vítor Hugo. "Mas como ele ainda não sabia que dentista é legal, mamãe?" Foi dormir tão orgulhoso que até se esqueceu da visita da fada do dente. Mas deixa estar. De hoje não passa. O dentinho já está embaixo do travesseiro.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Quindim de agosto

 

Eba! O Clube Quindim mandou dois livros bem legais para o Gui no mês de agosto. Confesso que estava um tanto frustrada com essa assinatura, porque desde o início, em junho, não tínhamos recebido nenhum livro brasileiro num total de quatro. Eu esperava pelo menos a proporção de três brasileiros pra um estrangeiro. Quase cancelei, mas depois da última entrega, resolvi ficar mais um pouco.

O Quindim de agosto foi uma gostosura. Teve "Greg: o menino que morava em um trem" (Editora Tigrito), da Ana Luiza Badaró, ilustrado pelo Odilon Moraes, e "O livro maluco das poções mágicas" (Editora do Brasil), do Leo Cunha, ilustrado pela Mariana Massarani.

"Greg morava em um trem com seu pai e sua mãe. O trem subia colinas e descia morros em dias de chuva e de sol. Um dia, os pais de Greg decidiram não morar mais no mesmo vagão. O trem entrou em um túnel..."

Lemos os dois livros ontem à noite. O do Greg é uma viagem em muitos sentidos. Fala de separações, frustrações e reviravoltas, tudo com texto e imagem em total sintonia. Gerou longa conversa com meu pequeno. Parabéns à Editora Tigrito pela belíssima edição. Acompanhamos os altos e baixos da vida do menino com o coração apertado e sentimos com ele o alívio e a alegria dos reencontros.

Depois do final feliz do Greg, mergulhamos de cabeça no livro encontrado num baú por uma princesa, que não era bem princesa, e descobrimos várias poções mágicas. Os trocadilhos do Leo Cunha combinados com as ilustras da Mariana Massarani são diversão garantida. Mas, sem dúvida, a melhor de todas as poções foi o "suco de pirlimpimPUM", que "deixa os puns cheirosos e musicais"!!! Dá pra imaginar o quanto isso rendeu, né?

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Sete ossos e uma maldição


"Fabiojunio olhava os preparativos meio assustado. Mas as fotos dos irmãos cercados de conforto, carinho e comida já o tinham convencido. Tanto Tião quanto Francineide e Ronivon pareciam muito felizes. Assim, quando chegou o casal, despediu-se da mãe e de Simara - a irmã mais velha -, engoliu o choro e entrou no carro de seus novos pais.
- Mãe, a senhora não achou esses dois aí meio esquisitos, não? - perguntou a menina, assim que o carro sumiu na estrada.
- Bobagem, menina. Rico é tudo esquisito mesmo.
Mas, no fundo, achou que a filha tinha razão. Não sabia dizer direito o que era - se a expressão meio vazia do casal, o jeito que eles tinham de olhar, meio fixo, sempre para frente, a maneira de se moverem, lenta demais."

Conheci "Sete ossos e uma maldição", da Rosa Amanda Strausz, com ilustrações e projeto gráfico do Ricardo Cunha Lima, publicado pela Global, numa conversa sobre literatura infantil na Fundação Casa de Rui Barbosa. Rosa Amanda leu o início do primeiro conto do livro, "Crianças à venda. Tratar aqui.", e criou uma bela polêmica falando sobre a história. Uma senhora que assistia ao bate-papo se levantou indignada e disse que era um absurdo a autora brincar com um assunto sério como aquele.

Com um invejável jogo de cintura e todo respeito à dor daquela senhora, Rosa Amanda respondeu que literatura é isso. Mexe com nossos afetos. Ela estava satisfeita por ter conseguido despertar tanta emoção com a leitura de pequena parte do conto. Os assuntos sérios devem ser abordados pra que possamos lidar melhor com eles na vida. Foi ótima a fala dela.

De terror eu nunca fui fã. Parece que esse livro nasceu de uma vontade súbita que tomou a autora durante um período de sua vida, pelo que ela disse. Talvez eu não tivesse nem cogitado ler "Sete ossos e uma maldição" se não assistisse a essa mesa. Mas saí de lá querendo saber o resto do conto começado e, assim que pus as mãos num exemplar, li de cabo a rabo, quase sem piscar. Engoli meu medo do terror (sobretudo envolvendo crianças) e a-do-rei o livro.

O primeiro conto é o melhor, na minha opinião. Mas me arrepiam todos os outros também. Tem assombração, mistério, adolescentes destemidos, objetos amaldiçoados. Histórias macabras que atraem muitos jovens e adultos. Crianças também!

Guilherme olhou a quarta capa enquanto eu relia ontem e gritou: "Tem uma caveira assustadora no seu livro, mamãe! Quero ler esse!" Entrei em apuros. "Sete ossos e uma maldição" é juvenil. Eu não indicaria para uma criança de 6 anos. Mas com uma boa mediação, a gente adapta. Li pra ele o conto "Os três cachorros do senhor Heitor". Ele AMOU e pediu bis.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Leituras Peraltas: Quero ser super-herói


É dia de novo vídeo no canal Leituras Peraltas. O tema agora é "super-heróis". Qual terá sido nossa peraltice dessa vez? Baseada na leitura de que livro? Assistam ao vídeo e confiram. Se curtirem, comentem, compartilhem e se inscrevam no canal pra acompanhar. Eu me diverti um bocado fazendo esse vídeo. Espero que vocês gostem!

domingo, 2 de agosto de 2020

Será o Benedito!


"(...) Então ele me pediu que o levasse comigo para a enorme cidade. Lembrei-lhe os pais, não se amolou; lembrei-lhe as brincadeiras livres da roça, não se amolou; lembrei-lhe a tuberculose, ficou muito sério. Ele que reparasse, era forte mas magrinho e a tuberculose se metia principalmente com os meninos magrinhos. Ele precisava ficar no campo, que assim a tuberculose não o mataria. Benedito pensou, pensou. Murmurou muito baixinho:
— Morrer não quero, não sinhô… Eu fico.
E seus olhos enevoados numa profunda melancolia se estenderam pelo plano aberto dos pastos, foram dizer um adeus à cidade invisível, lá longe(...)".

A edição de "Será o Benedito!", de Mário de Andrade, da Cosac Naify, infelizmente, é coisa rara hoje em dia. Faz parte da coleção "Dedinho de prosa". Um dos mais belos livros ilustrados que eu tenho e o que mais me emociona. Como se já não bastasse a história cativante e tristérrima do Mário de Andrade, as aquarelas super manchadas do Odilon Moraes são daquelas que a gente quer degustar, ficar olhando, babando (como é que esse cara consegue fazer isso?) Uma obra de arte. Redonda.

Li para o Guilherme uma noite dessas. Ele estranhou um pouco as manchas das ilustras no começo, mas logo embarcou. Simpatizou com o Benedito, com o moço da cidade, achou graça na expressão "será o Benedito!" fez comentários durante toda a leitura. No fim, a fatalidade o calou. Observamos a última ilustração em silêncio e eu disse: "triste, né?" Ele respondeu com a voz trêmula: "sim, dá até vontade de chorar." Então eu lhe mostrei meus olhos cheios d'água. 

Benedito desistiu do sonho de conhecer a cidade por temer a tuberculose. Mas será que o campo era mesmo mais seguro? O desfecho dessa história remói por dentro. Que ironia. Viver é assim.